terça-feira, 30 de agosto de 2011

GENUÍNO [CRÔNICA]


Alguém consegue escapulir da rotina constantemente, todos os dias, toda hora, sempre ou, no mínimo, na maioria do tempo? Acho muito difícil. Infelizmente (ou felizmente), nossa vida está estrutura em afazeres que se repetem. Não seria eu o estranho ao extremo em face dessa  lei – bem que queria, não posso negar! – Então, me resta, resignado em agitação modorra, executar a tão chata rotina...

Terça-feira de começo de mês. Após uma manhã exaustiva de trabalho, outro dever entre muitos me chama: honrar dívidas. Vou eu pro banco. Como sempre, a lei municipal dos 15 minutos não é respeitada lá. Fico eu em pé numa fila interminável por cerca de uma hora... Para passar tempo, lanço mão da conveniente intimidade com o estranho que o soteropolitano tem. Converso com um e com outra na fila mesmo despretensiosamente. Papo vai longe... Quem vê à distância, pensa que somos amigos de tempos. Risos, toca aqui, pega ali, perguntas privadas... Só mesmo baiano do recôncavo para tolerar tanta intimidade!

Distraído na “entrevista” fora de hora (aleluia!), algo me pega os sentidos. Uma mãe me chega e se senta com seu filho de uns 5 anos numa cadeira bem ao meu lado. A mulher quase que ignora a chatice de estar num banco lotado, polar e consternador. Se volta aos cuidados de seu  filhote. Beijos, carícias, abraços, mimos delicados em constância. Parecia mais uma amante fielmente apaixonada por seu dominador impiedosamente soberbo, arrogante e cheio de vontades e manhas.

Simplesmente, a dedicada mãe criou a redoma materna na qual a sua prole era o núcleo que jamais foi, pode ou será perturbado. Incrível! A dona não largava o lindo garoto por nada. Criaturinha charmosa, uma graça.  Criança formidável, repleta de saúde e rica de todos os bens que sua pobre mãe poderia lhe ofertar.

O guri deveria parecer muito com o pai, pois da mãe só tinha os olhos pedintes numa arrogância intolerante que encantava... Coisa de filho único ou caçula. Logo, concluí que o procriador da criança deveria ser um homem muito importante para aquela mulher humilde. A criaturinha era simplesmente tudo para ela. Isso estava no ar, nos olhos dela, no toque dela, no abraço dela; fato indubitável!

E, como toda criança, não aguentava ver nada que pedia. Um baleiro era mais que tentação, era o terror para ambos (ele que pedia, e não teria; e ela que tinha a única opção: negar sofrivelmente, desconsertada em sua falta de dinheiro). E eu, de cá, já estava muito encantado com o garoto e, sobretudo, com o comportamento fantástico da mãe. Ela não parava de dar amor espontâneo ao seu fio. Lindo demais!

Confesso, não sou muito achegado a crianças, mas o amor que ela unia a mãe me tocou. Não pensei muito. Fui direto pro baleiro e comprei o doce de 2 reais e presenteei: Olá senhora, tudo bem? Vi que seu filho queria muito isto. Tome, dê para ele. Não moço. Não precisa, não. Deixa de bobagem. Vamos, pegue! Muito obrigada. Deus lhe pague. E senti nos olhos e nos risos que se seguiram a satisfação de ambos. Gratificante!

Deixei que eles dois curtissem o momento. Amor. Depois, me aproximei outra vez e fiz um elogio sincero à mãe: Senhora, você está de parabéns. Hoje é muito raro ver alguém com tanto cuidado com seu filho. A falta de amor e compromisso com o próximo somado ao completo egoísmo, ganância, vaidade e intolerância dominam o mundo. Todos vivem estressados e sem tempo. Só querem saber de si. O que importa é dinheiro, sucesso e status. A senhora e seu filho são o contraste que o mundo precisa! Vejo em vocês um verdadeiro oásis nesse deserto que é a humanidade. E ela só fez agradecer timidamente. Certamente na estupidez enciclopédica dela, não compreendeu tudo o que eu lhe disse; porém, sentiu que eu estava lhe acariciando com palavras genuínas frente a um comportamento genuíno. Lindo! Simplicidade que me fez ganhar a semana sem dúvidas! Mais uma experiência que somei. Sorriso e risos... Satisfação!

Dio. Salvador, 30/08/2011.

segunda-feira, 1 de agosto de 2011

ESPECIFICIDADE [REFLEXÃO]


O coco é duro, a cabeça também.
Com força ou destreza, podemos quebrar.
Do coco sai leite e água, refresca e dar prazer;
da cabeça escapole apenas miolos, que de nada servem, e ainda causam ojeriza, repulsa e asco.
Observo à máxima: “Cada cabeça é um mundo.”
Vou além: cada cabeça é a possibilidades de múltiplos universos confusamente indecifráveis para o tolo que tenta compreender.
Se de mim há muitas perguntas para as quais não existem respostas, respostas ambíguas, frágeis e/ou duvidosas, imagine as supostas respostas que vêm de um outro, o qual foge de minhas delimitações de pessoa! Espantoso não é se aterrorizar com o comportamento alheio; absurdo é acreditar que há sensatez na ordem do humano.
Se um dia eu conseguir decodificar e codificar seus movimentos, paz não terá sentido. Por quê? Simples, sua irmã já não mais existirá, logo sua seu par oposto não mais suscitará sua existência. Tudo será paz. E como o extremamente comum é imperceptível, quem notará a ausência da violência?


Diógenes Pereira. 01/08/2011.